A revolução digital propiciou o surgimento dos benefícios e malefícios decorrentes da inserção da tecnologia da informação (TI) em nossas vidas. Inicialmente, afetou de forma mais significativa as empresas por intermédio do posicionamento da internet e seu potencial dentre os aspectos relevantes para tomada das decisões corporativas, mormente no que tange ao comércio eletrônico ou e-commerce. Este processo avançou de tal modo que, atualmente, a presença da TI permeia boa parte das atividades do nosso dia-a-dia de modo tão significativo a ponto de já termos uma geração incapaz de imaginar o mundo sem a internet e os gadgets que facultam o acesso à mesma. 

Neste tom, em “Os Superficiais”, Nicholas Carr faz um retrato impressionante sobre a forma como a internet está mudando o mundo, as nossas vidas e os nossos cérebros, aproximando-nos da negra profecia que Kubrick lançou no inesquecível “2001: Odisseia no Espaço”: “ao passarmos a depender de computadores para mediar o nosso entendimento do mundo, é a nossa própria inteligência que se aplana e se transforma em inteligência artificial.”

Ainda segundo Carr, a internet é ao mesmo tempo nosso servo e nosso amo e, para todos os benefícios que apresenta, haverá necessariamente um preço alto a pagar: um declínio da nossa capacidade de concentração e contemplação, tão necessários à produção do verdadeiro conhecimento.

A explicação para isto é que a maioria das pessoas que faz uso da internet tende a assumir um comportamento muito disperso por ocasião deste uso. É usual que se esteja ao computador redigindo um texto enquanto se ouve música por intermédio de um aplicativo, ao mesmo tempo em que se consulta os e-mails e se navega pela internet.

Este comportamento voraz na busca de informações prejudica a formação de nossa memória de longo prazo, pois já foi comprovado por intermédio de estudos de neurociência que a nossa memória de longo prazo recebe informações de nossa memória de curto prazo. Ora, esta última tem uma capacidade limitada e, ao ser inundada de informações, passa a descartar o excesso de informações recebidas, deixando de enviá-las para a memória de longo prazo. Considerando que a nossa capacidade de reflexão é função direta daquilo que está contido em nossa memória de longo prazo, o nosso processo de reflexão perderá sua riqueza, uma vez que parte de nossa experiência existencial será descartada de nossos cérebros.

Se você, caro leitor ou cara leitora, se enquadrar na descrição do comportamento mencionado no parágrafo anterior, tente refletir sobre sua capacidade de ler um livro em papel do começo ao fim focando unicamente na leitura, sem se sentir tentado a realizar outras atividades simultaneamente ou sem se sentir entediado. Você consegue?

Talvez a redução da qualidade do nosso processo cognitivo seja o preço a pagarmos pela comodidade de não termos mais que ir ao banco para realizarmos nossas operações financeiras, de não termos mais que ir ao shopping para as compras, economizando nosso tempo e nossa paciência ao não termos mais que lidar com filas e engarrafamentos. Além disso, o acesso ao universo de informações disponíveis por intermédio de alguns cliques potencializa o exercício de alguns direitos, como por exemplo os de consumidores. Este incremento de nosso potencial de crítica e avaliação por intermédio do acesso facilitado a informações, sem dúvida alguma, é positivo. Mas será que não estamos condenando nossos cérebros e os das gerações vindouras a um declínio de uma das capacidades mais bonitas do ser humano, sua capacidade de refletir com riqueza e criar sem limites?  

Talvez o segredo do uso do poder da internet esteja na máxima budista – a escolha do caminho do meio.